#Opinião: A conciliação no CPC/15: mecanismo para solucionar conflitos ou para solucionar a crise do Poder Judiciário?

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O noviço Código de Processo Civil, enfim, está em vigor e com ele mudanças glorificantes para o ordenamento jurídico brasileiro. Dentre todas as alterações trazidas, destaca-se a troca da “cultura da sentença” pela “cultura da paz” (CPC, art. 3º, §§2º e 3º). Dessa forma, o Código cria toda uma estrutura que dá poder às partes que geraram o conflito para solucionar o próprio conflito.  
Todavia, é preciso se ter cuidado com as congratulações ao Código e se questionar o porquê dessa mudança. Muito se sabe que o Estado pouco se preocupa com os seus súditos, portanto, estaria o Estado, verdadeiramente, preocupado em solucionar os conflitos? Ou existiriam motivos obscuros por trás dessa impactante mudança cultura (da sentença para a paz)?
Dois aspectos no Código de Processo Civil chamam a atenção: (i) a audiência obrigatória de conciliação e a mediação; (ii) a multa imposta àquele que se ausenta na audiência de conciliação (e não na audiência de mediação) de maneira injustificada, pois essa atitude é considerada ato atentatório à dignidade da justiça.
Primeiramente, é louvável que a mediação e a conciliação sejam disseminadas porque são mecanismos (do ponto de vista teórico) que resolvem conflitos, permitem a retomada de um vínculo saudável entre os litigantes e ainda dá paz a sociedade, a qual não terá mais, em seu seio, membros brigando entre si. 
Porém, outro questionamento se faz necessário: Por que a punição se deu apenas ao ausente na audiência de conciliação? Seria a conciliação mais importante do que a mediação? E a resposta é “sim”, pelo menos aos olhos do Poder Judiciário.
É preciso se explicar, antes, o momento em que vivemos. Muito se fala atualmente em crise política e a crise também bate às portas do Poder Judiciário, o que não é nenhuma novidade, pois em 1999, por exemplo, quando da edição da Lei dos Juizados Especiais, tentou-se desafogar o Poder Judiciário. 
Porém, o tiro saiu pela culatra, já que os Juizados Especiais que eram solução também se afogaram. O cenário em 2015 ainda é calamitoso.
Isso porque, segundo o Conselho Nacional de Justiça, o Poder Judiciário, em 1º de janeiro de 2015, já tinha em suas mãos 70,8 milhões de processos aguardando uma solução. Isso, claro, sem contar os novos processos que ingressariam durante o ano de 2015.
Assim, fala-se que a atual taxa de congestionamento no Poder Judiciário está no percentual de 71%. Em resumo, quer-se afirmar que a cada 100 processos que entram, apenas 29 tem uma solução. Os outros 71 aguardarão os anos posteriores para uma solução.
Uma mudança se fazia (e se faz) necessária e o Conselho Nacional de Justiça, que zela pelo Poder Judiciário, tomou a frente. Em 2006, criou-se a Semana da Conciliação, que a semana destinada única e exclusivamente para a conciliação, ou melhor, para o acordo. O próprio Conselho Nacional de Justiça afirma, em seu sítio eletrônico, que o objetivo é “conciliar o maior número de processos”.
O título “Semana da Conciliação” poderia ser trocado por “máquina de acordos”, pois o Estado atua da seguinte forma: as ações são divididas entre “aqui cabe acordo” e “aqui não cabe acordo”. As “que cabem” são destinadas à semana e as “outras” esperam mais um pouco pela solução do conflito. No dia agendado (e são muitas audiências por dia, em números que fogem da realidade forense) tenta-se o acordo. Não sendo possível, chama-se o próximo caso e assim sucessivamente até o final do expediente.
Percebe-se, novamente, que a conciliação, durante essa semana, ganha destaque se comparado à mediação, pois como já foi dito a conciliação, aos olhos do Poder Judiciário. E talvez a explicação esteja na teoria.
A conciliação tem o acordo como fim imediato. Daí o porquê em se falar que o conciliador balizará as partes até ao acordo. Na audiência, pouco se dá oportunidade para exposição de todas as angústias das partes em torno daquele conflito, pois ali o objetivo é o acordo. Então, a função do conciliador é guiar as partes, induzindo-as (não coagindo, nem obrigando) ao acordo.
A mediação tem o acordo como possibilidade. As partes, em uma audiência ou em tantas quantas bastem (é muito comum haver a divisão de uma audiência em várias outras), explicarão seus pontos de vistas, suas angústias e suas perspectivas para aquele conflito. O mediador facilita a conversa de tal forma que faça os litigantes entenderem o ponto de vista do outro e, também, a respeitá-lo.
E, com isso, faz com que o vínculo entre as partes, existente antes do conflito, seja refeito para o fim de resolver o conflito ou pelo menos se aproximar do mesmo, por isso, o acordo é uma possibilidade e não a regra.
Pois bem, voltando ao Código Processualista, percebe-se desde o início no exagero legislativo quanto a audiência de conciliação e mediação obrigatória, pois é preciso que ambas as partes (autor e réu) digam “não, não queremos a audiência!” para que ela se desmarcada ou não realizada. Ora, apenas um “não” já era suficiente, afinal, quando um não quer, dois não realizam acordo ou não se autocompõem.
E o legislador foi além, além de obrigar a realização e dificultar a sua não realização, o legislador pune aquele que se ausenta à audiência do acordo. Na prática pode acontecer o seguinte:
A parte “A” busca “B” para a realização do acordo extrajudicial; “B” não quer, não concorda, esquiva-se; “A” entra com a ação, mas “A” não quer mais o acordo, pois “B” já deixou isso claro; “B”, porém, aceita a audiência perante o conciliador judicial; “A” se ausenta, pois já tentou extrajudicialmente e não quer a via judicial para realizar acordo, mas sim que o juiz decida o quanto o seu caso; “A” pode ser punido por ter faltado à audiência.
O que se percebe, então, é que tanto na Semana da Conciliação, como no Código de Processo Civil, a conciliação ganha mais destaque devido ao seu resultado final: o acordo. Resultado este que é rápido, eficaz, informal, barato e o melhor: tira dos juízes mais um processo e desafoga do Poder Judiciário.
É preciso, no entanto, se diferenciar a Semana e o Código porque o primeiro utiliza a conciliação descadaramente com o propósito de alívio do Poder Judiciário (conciliar mais em menos tempo), enquanto o Código é mais velado de tal forma que baliza as partes a estarem presentes na audiência (punindo quem falta e dificultando a não realização), o que já um primeiro passo para a realização do acordo (o resto o Estado deixa à cargo do conciliador).
Conclui-se, portanto, que o Poder Judiciário brasileiro desvirtua a utilização da conciliação. Ouso afirmar que a mediação, no Brasil, é o único meio efetivamente realizador da pacificação social.
A problemática entorno do desvirtuamento é que a sua má condução e o mau acordo não pacifica as partes. Assim, embora o problema possa ter resultado em acordo, as partes não estão, em seu âmago, verdadeiramente pacificadas, fazendo com que, no futuro, o mesmo caso retorne aos mantos jurisdicionais.
Aliás, talvez o mesmo caso volte pior do que estava antes (ou em menor intensidade conflituosa). Portanto, há, quando do desvirtuamento da conciliação, um resultado paliativo do conflito e da crise do Poder Judiciário, que no futuro será novamente acionado para solucionar o mesmo caso.

Thales Branco Gonçalves
Advogado

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