Aspectos gerais da tortura e os seus desdobramentos jurídico-políticos: a desconstituição dos direitos humanos e fundamentais
A tortura pode ser
definida como forma de impor intenso sofrimento físico ou mental a alguém,
utilizando-se de violência ou grave ameaça, com a finalidade de obter por seu
intermédio confissão, informação ou declaração; provocar ação ou omissão de
natureza criminosa; ou em razão de discriminação nas diversas modalidades
existentes, por exemplo, a sexual, de gênero, racial, étnica, social,
religiosa.
No Brasil pode ser
configurada tanto quando praticada por particulares quanto por entes públicos.
Está
diretamente relacionada à formação dos valores culturais, sociais e morais de
cada sociedade, sendo utilizada desde os primórdios da humanidade.
Foi largamente aplicada
como forma de punição, sendo posteriormente utilizada como meio probatório, assombrou
e sentenciou inocentes, bem como absolveu culpados durante muito tempo.
Sua criminalização
ocorreu em vários países, após a revolução intelectual, conhecida por Iluminismo.
Desde então, os ideais garantistas visados naquele período começaram a ser
adotados nos ordenamentos jurídicos do mundo.
Tais correntes de
pensamento mais racional e humano ganharam força com o advento de tratados e
convenções internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos,
assinada em 1948, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San
José de Costa Rica), de 1969, e a Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984, todos
ratificados pelo Brasil.
Seguindo o disposto
nesses tratados e convenções internacionais, visando à proteção dos valores
adotados – à luz do reconhecimento dos direitos humanos –, a Constituição
Federal de 1988 adotou esses pilares e os correspondentes procedimentos
protetores da dignidade da pessoa humana, assim como o valor e direitos
fundamentais que lhe são inerentes, dentre esses, a proteção contra a tortura,
tratamentos degradantes ou cruéis, por meio da criminalização de sua prática.
No Brasil, em 1997 foi criada a Lei n. 9.455/97 que definiu as formas de crime de
tortura.
Divergindo da orientação
das convenções internacionais, a tortura pode ser praticada por qualquer pessoa
e não apenas por funcionários públicos, tratando-se, portanto, de crime comum e
não de crime próprio, desde que possua as finalidades específicas previstas em
lei, acarretando aumento de um sexto na pena no caso do crime ser praticado por
agente público.
Em tese a tortura foi
erradicada após a ditadura militar e civil no Brasil, entretanto, é notório que
sua prática subsiste, em algum grau maior ou menor, contudo, preocupante.
Sua aplicação e suas
formas de execução foram abrandadas, juntamente com a sociedade, hoje não se
adota mais meios tão cruéis como nos primórdios das civilizações
Sua prática fere
princípios basilares e direitos fundamentais, sendo o mais importante de todos,
a dignidade e o valor do ser humano, bem como a própria integridade física e
mental da vítima.
Atenta também contra o
bom funcionamento da administração pública, haja vista que muitas vezes o crime
é cometido por agentes públicos, que em tese, possuem dever legal de evitar e
apurar crimes cometidos a fim de resguardar e proteger os cidadãos de qualquer
possível ameaça a seus direitos.
O tema é complexo, cheio
de divergências doutrinárias, no entanto, é de suma importância sua discussão,
para que se busquem cada vez mais formas de sua completa erradicação.
O
número de casos de tortura que realmente chega à justiça é ínfimo, por isso,
não se sabe ao certo quantas torturas são praticadas no dia a dia, fenômeno
classificado por autores como “cifra – negra”.
Não é possível tolerar
injustiças que atentem contra os direitos fundamentais individuais, que diminuam
o bem estar social de todo um país. É necessário que as pessoas se informem,
que divulguem, que denunciem. Esta é a única forma de conseguirmos a completa
erradicação da tortura: informação, educação, denúncia, responsabilização, memória.
Beatriz
da Cruz Freitas
Advogada
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