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Introdução ao uso do nome social e ao reconhecimento da identidade de gênero das pessoas travestis, transexuais e transgêneros
Sabe-se
que todos os seres humanos têm um aspecto de sua dimensão física, afetiva,
ética, espiritual, intelectual e social em comum: a sua sexualidade.
A
sexualidade humana é formada por múltipla combinação de fatores biológicos,
psicológicos e construções sociais: o sexo biológico, a identidade de gênero, o
gênero propriamente dito, a orientação afetiva e sexual, e a expressão ou papel
de gênero.
Todas
as pessoas têm um sexo biológico, uma identidade de gênero, um gênero
propriamente dito, uma orientação afetiva e sexual, e exercem uma expressão ou
papel de gênero.
De
tal sorte, visto à infinidade de combinações entre estes vários aspectos que
juntos formam a sexualidade humana, fala-se na diversidade sexual e de gênero,
que diz respeito à multiplicidade e variedade no espectro de sexualidade.
Mesmo
que a sexualidade humana seja uma condição imutável e perene, diz-se que é um
espectro. Isto é, como nas faixas de cores do arco-íris, das mais quentes às
mais frias, cada ser humano se posiciona em um determinado ponto de tom, mesmo
que mais longe ou mais próximo do começo ou do fim da mesma faixa de cor
(sexualidade).
Toda
manifestação da sexualidade (afetiva, romântica, sexual) é legítima, natural,
moral e legal se praticada entre seres humanos capazes e racionalmente aptos ao
consentimento.
Se
por um lado a orientação afetiva e sexual quer dizer com quem você vai se
relacionar afetiva ou sexualmente, por outro a identidade de gênero é uma
percepção íntima de si mesmo, quer dizer, quem você é.
Quando
se discute a diversidade sexual e de gênero, deve-se levar em consideração uma
tríplice de princípios: Dignidade da Pessoa Humana, Liberdade Sexual e de
Gênero, e Autodeterminação.
Portanto,
cada ser humano nasce livre e igual em direitos, deveres, obrigações e
responsabilidades. Todos os seres humanos possuem sexualidade e podem exercê-la
nos limites da legalidade, legitimidade, ética e consentimento.
E
somente o próprio indivíduo pode determinar (expressar intrínseca e
extrinsecamente) a sua sexualidade, que como foi analisado acima não é uma
escolha (volátil ou mutável).
Quanto
à identidade de gênero é possível tecer um raciocínio binário apenas para fins
didáticos: há pessoas cisgêneros ou cissexuais e há pessoas travestis,
transgêneros, transexuais. É óbvio que existem outras diversas e legítimas
identidades de gênero que vão aquém ou além destes conceitos de lados opostos
ou extremos.
Não
é o papel deste artigo delimitar, conceituar ou designar o que é ser uma pessoa
travesti, transgênero, transexual, tendo em vista a individualidade humana e a
diversidade e pluralidade de identidades de gênero. Contudo, é seu intuito
informar que estas pessoas têm uma identidade de gênero legítima e que merece
reconhecimento jurídico e legal.
Antes
mesmo do nascimento, designa-se ao ser humano um gênero (por exemplo, homem ou
mulher) com base no seu sexo biológico (por exemplo, macho ou fêmea). Sabe-se
que o gênero é uma construção social, e o sexo biológico é uma combinação da
genitália, cromossomos e sistema reprodutor ou reprodutivo.
De
uma forma bem simplória e até banal é possível (frise-se para fins meramente
didáticos e introdutórios) esclarecer que as pessoas cisgêneros ou cissexuais
ao crescerem e se desenvolverem perceberam intimamente que há uma coincidência
entre o gênero que lhe foi atribuído e o que lhe reconhece de fato.
Por
exemplo, ao nascer uma pessoa do sexo biológico macho é designada como homem
pela sociedade e ao crescer se reconhece como um homem.
Para
as pessoas travestis, transgênero, transexuais o raciocínio é o oposto. Estas
pessoas ao crescerem e se desenvolverem perceberam intimamente que não há uma
coincidência entre o gênero que lhe foi atribuído e o que lhe reconhece de
fato.
Por
exemplo, ao nascer uma pessoa do sexo biológico macho é designada como homem
pela sociedade e ao crescer se reconhece como uma mulher.
Duas
informações relevantes: em primeiro lugar, percebe-se que o sexo biológico
(macho, fêmea, intersexual) não determina o gênero (homem, mulher) e em segundo
lugar, leva-se em conta o princípio da Autodeterminação, somente o indivíduo
pode dizer qual é a sua sexualidade.
Não
é possível que uma pessoa aponte seu olhar para a outra e adivinhe a sua
sexualidade. Pois, as chances de fazê-lo com eficácia e legitimidade são quase
nulas ou ridiculamente inviáveis.
As
pessoas cisgêneros ou cissexuais assim como as pessoas travestis, transgêneros,
transexuais recebem um nome (prenome e patronímico ou matronímico) ao nascerem.
Contudo, as pessoas travestis, transgêneros, transexuais podem não se sentir
contempladas por este nome.
Uma
mulher transexual, neste pensamento, pode se sentir muito constrangida ao ser
chamada de João, quando na verdade, ela se reconhece pelo nome Carla. É cabível
que uma pessoa travesti, transgênero, transexual não veja necessidade em ser
reconhecida por um nome diferente daquele que lhe foi atribuído, mas, há
pessoas que não se sentem contempladas por este.
No
caso desta pessoa transexual, o seu nome de registro civil é João e o seu nome
social é Carla. Portanto, nome social é a sua designação ou tratamento nominal
pelo qual a pessoa se reconhece e quer ser reconhecida pela sociedade.
Por
meio de uma ação judicial de retificação do registro civil é cabível a alteração
pretendida, e a há jurisprudência no sentido de que não é necessária cirurgia
de transgenitalização ou readequação sexual (erroneamente denominada pelo senso
comum por “mudança de sexo”).
Isto
porque a genitália (pênis/vagina) não determina a dimensão social do gênero
(homem ou mulher). Por exemplo, um homem cisgênero ou cissexual que sofre um
acidente e tem o seu pênis decepado não se torna uma pessoa agênero ou deixa de
ser homem.
Daí
a desnecessidade da cirurgia de readequação sexual ou transgenitalização para a
alteração do nome no registro civil pelas pessoas travestis, transgêneros,
transexuais.
O
Projeto de Lei n. 5.002/2013 denominado Lei João W. Nery ou Lei de Identidade
de Gênero de autoria dos Deputados Jean Wyllys do PSOL/RJ e Erika Kokay do
PT/DF dispõe sobre o direito à identidade de gênero e altera o art. 58 da Lei
n. 6.015/73 que dispõe sobre os registros públicos.
Atualmente
há dois decretos que dispõem sobre o uso do nome social e o reconhecimento da
identidade de gênero no âmbito da administração pública federal e estadual
regulamentado o tema, portanto, há fundamento jurídico para o uso do nome
social.
O
decreto n. 8.727/2016 da Presidência da República dispõe sobre o uso do nome
social e o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas travestis e
transexuais no âmbito da admiração pública federal direta, autarquia e
fundacional.
Também
há o decreto n. 55.588/2010 que dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas
transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo.
Ambos
os decretos não conferem um privilégio às pessoas travestis, transgêneros,
transexuais. Apenas regulamentam a questão do nome social pela qual estas
pessoas se reconhecem no seu cotidiano e faz parte da sua dignidade humana e
liberdade sexual e de gênero.
Tendo
em vista a magnitude e relevância do tema, este artigo será divido em duas
partes. Esta primeira parte se incumbiu de introduzir o tema do uso do nome
social e o seu reconhecimento jurídico. No próximo artigo será analisado teleológica
e sistematicamente o conteúdo de ambos os decretos e as suas convergências e
aplicabilidade.
Hugo
Rafael Soares
Advogado
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