Estruturas de Famílias e reconhecimento jurídico
Segundo o Dicionário Houaiss
a palavra família significa “núcleo social de pessoas unidas por laços
afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma
relação solidária”.
Em um primeiro momento
histórico o Direito Civil regulamentou a família com uma visão meramente
patrimonial e patriarcal (vide o Código Civil de 1916), o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz uma nova ótica
reconhecendo um valor jurídico ao afeto humano, o atual Código Civil de 2002
traz questões mais contemporâneas para a família, mas ainda é eivado de uma
visão conservadora, por exemplo, considerando apenas as famílias
heteronormativas.
Atualmente, a melhor
doutrina diz que os Direitos das Famílias são um ramo autônomo e um
microssistema que merece uma nova regulamentação por meio de uma lei especial
assim como o Estatuto do Idoso, da Criança e do Adolescente, das Pessoas com
Deficiência, Igualdade Racial, Defesa do Consumidor.
A família tradicional
concebida principalmente por matrizes monoteístas (judaísmo, cristianismo,
islamismo) é monogâmica, heteronormativa e patriarcal e se constituí unicamente
pelo casamento religioso; e nestas sociedades as leis civis refletem
intrinsecamente os valores espirituais, portanto, acreditou-se em razão dos
princípios religiosos que a família fosse a união religiosa (e consequentemente
civil) entre um homem heterossexual cisgênero e uma mulher heterossexual
cisgênero e seus descendentes concebidos biologicamente. Faz-se necessário
recordar que inclusive o critério étnico e/ou racial, orientação religiosa,
procedência regional ou social, também marginalizavam as uniões entre pessoas
que fossem de diferentes origens.
Nestes modelos de famílias
tradicionais subsistia o poder marital (do homem) sob todos os membros e
principalmente em face das mulheres (que eram consideras pessoas incapazes, ou
seja, seres humanos de segunda classe) e havia desigualdade entre os filhos havidos
no casamento e fora do casamento, inclusive os adotados.
A CRFB/88 elucida as
famílias como a comunhão de vida e tem por base o afeto, inclusive considerando
o aspecto patrimonial, mas como um aspecto adjacente e não constituinte.
Também inova na questão de
igualdade de direitos, deveres, responsabilidades entre os cônjuges (pessoas
casadas entre si) e companheiros (pessoas que vivem estavelmente em união).
Há na atualidade a questão
da liberdade de constituição e dissolução de uniões seja através do casamento
ou por meio da união estável ou a existência de uma figura parental (seja
mulher ou homem) e seus filhos, alguns autores classificaram estas famílias
respectivamente como matrimonial, informal e monoparental.
A necessidade de
regulamentar a relação entre civis com o reflexo de teorias e pressupostos
destas sociedades monoteístas supracitados fundou um paradigma familiar
tradicional, este acabou por desconsiderar a existência de outras modalidades
de núcleos familiares que são legítimos (e talvez sempre tenham existido) ao se
olvidar destes formatos de famílias não anulou a sua constituição, mas não lhes
deu reconhecimento jurídico.
Esta é uma premissa
histórica e social, da qual o Direito posto, patrimonial e conservador tende a
se distanciar por razões religiosas e em um determinado momento tiveram a sua
importância (como, por exemplo, a manutenção dos povos guerreiros, bárbaros e
violentos durante a ascensão do monoteísmo).
Sabe-se que atualmente há
uma deficiência normativa, tendo em vista a dinamicidade da sociedade líquida,
inclusive na regulamentação dos Direitos das Famílias.
É preciso reforçar que os
Direitos das Famílias representam a pluralidade, diversidade e infinidade de
configurações familiares que buscam hoje reconhecimento jurídico seja por meio
de uma demanda judicial (ativismo do Poder Judiciário) ou normativa (progresso
do Poder Legislativo).
Pressupõe-se que a CRFB/88
assegura a existência legítima e legal de todas as entidades familiares,
dispondo de igual tutela, sem hierarquia nem distinção de direitos, deveres,
responsabilidades, calcadas na Dignidade da Pessoa Humana.
Além das famílias
tradicionalmente aceitas (matrimonial, informal, monoparental), fala-se na
melhor doutrina do reconhecimento jurídico das Famílias:
1 – Homoafetivas (quando os
cônjuges ou companheiros são do mesmo gênero, e o termo gênero quer dizer
“homem”, “mulher”, algo fluído entre ambos, algo além ou aquém, ou nenhum
destes termos). O reconhecimento jurídico destas famílias em que os referências
parentais são casados ou companheiros homoafetivos é judicial, e carece de
regulamentação legislativa afim de estabilidade jurídica.
2 – Pluriparentais (quando
os cônjuges ou companheiros somam um total maior do que o número dois, ou seja,
há poligamia desde que o pressuposto da estabilidade afetiva seja atendido). O
reconhecimento jurídico destas famílias poliafetivas ainda é judicial e também
demanda a regulamentação normativa, contudo, causa muito desconforto nos
estudiosos dos Direitos Patrimoniais e Sucessórios, pois faz necessária uma
análise mais minuciosa de efeitos como alimentos, herança. A verdade é que se
há uniões poliafetivas estáveis e já se reconheceu a sua viabilidade jurídica
será necessária a regulamentação legislativa.
3 – Mosaicos e/ou
Recompostas (quando os cônjuges ou companheiros constituindo novos núcleos
familiares estabelecem entre si novos laços afetivos e sociais que são
juridicamente reconhecidos ou que geram efeitos patrimoniais).
4 – Anaparentais (diz
respeito à convivência de irmãos e/ou amigos, há estabilidade de laços afetivos
e mútuo auxílio financeiro).
5 – Eudemonistas (relações
muito fluídas entre os familiares, quando prevalece o afeto inconteste, mas não
há estabilidade nenhuma de direitos e deveres principalmente entre as matrizes
parentais).
6 – Unipessoais (uma pessoa que
vive só).
7 – Multiespécies (nestas famílias
os animais domésticos são considerados membros efetivos da entidade, inclusive detendo
direitos como guarda e alimentos – estes direitos ficam mais evidentes, por exemplo,
durante o divórcio).
Contudo, estas são apenas algumas
classificações que podem sofrer mudanças a depender do referencial doutrinário.
Outros doutrinadores classificam
algumas famílias da seguinte forma:
1 – Unipessoais (quando uma pessoa
vive sozinha).
2 – Nucleares (casal com filhos;
casal sem filhos; uma mãe ou um pai com filhos).
3 – Estendidas (casal com filhos
e outro parente; uma pessoa com filhos e outro parente; casal sem filhos e outro
parente).
4 – Compostas (casa com filhos
e não parentes; pessoa com filhos e não parentes; casal sem filhos e não parentes).
Em síntese:
Premissa maior: A sociedade é
composta por famílias, cujos seres humanos se manifestam de forma diversificada
e plural.
Premissa menor: Todas as diferentes
entidades familiares tem por base a afetividade e dizem respeito à comunhão de vida
entre pessoas, mas também devem ter o reflexo patrimonial e sucessório analisado.
Conclusão: É necessário o reconhecimento
jurídico das entidades familiares como um todo, sem distinção nem hierarquia, através
de um marco legal específico, como um microssistema do Direito, tendo por fundamento
o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Hugo Rafael Soares
Advogado
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